sexta-feira, 31 de julho de 2009

Um homem simples V


Ele estava ali por si só. Sua mente em paradoxo ao seu imóvel corpo não era capaz de aquietar-se por um momento ao menos. Estava ciente das consequências de seus atos, e nada o faria desistir, principalmente porquê a hora não era propicia. O primeiro passa havia sido dado, era impossível voltar atrás.

Das coisas que lhe ocorrera, nada era mais latente do que o valor do ser humano. Não parecia errado mediante ao contexto, mas proibido de acordo com muitos. A cada vez que fixava seus olhos e voltava a realidade por alguns momentos, estremecia, suas pernas pareciam que não aguentar o que estava por vir.

Decidiu não desesperar-se já que tudo havia sido minunciosamente planejado. Durante um bom tempo era tudo o que pensara, e quando dominado por qualquer empecilho repetia a si mesmo: -Quem nunca pensou nisso antes? Apenas estou indo além!
Daquele momento em diante, seria julgado de forma diferente, seria visto como alguém que nunca antes fora, mas esta era a menor de suas preocupações: Faria o que fosse preciso, não necessariamente da forma apropriada, mas iria até o fim.

Era algo transcendente à sua vontade, que requereria mais coragem do que tudo, já que violava e transgredia uma questão de princípios!

Subitamente perdeu a cabeça e a noção do aconteceria, algo mais forte falava por ele. Sua face se contraia a cada movimento, temia ser ouvido por aqueles que inocentemente desciam a rua escura, passando em frente àquela alcova...

Foi a hora mais longa de sua vida...e também a melhor noite de amor que já vivera!

terça-feira, 28 de julho de 2009

Um homem simples IV


Nasceu numa quarta feira. Dizem que é um bom dia para nascer, já que a rotina da semana alcança seu cume de monotonia as quartas. Chovia tanto que os médicos afirmavam que se uma emergência ocorresse durante o parto, seria impossível disponibilizar uma ambulância para uma transferência emergencial.

Nasceu em meio a uma tormenta! Trovejava, como se o Deus Thor castigasse a cidade. E tamanha foi a tempestade que a maternidade estremecia a cada pancada vinda do céu. No quarto onde sua mãe encontrava-se os raios eram confundidos com os flashes da câmera de seu pai. E antes de cada foto, especulava-se sobre o seu nome. Eram mais de vinte opções -nenhuma que mesmo hoje agradava-lhe-.

Já devidamente registrado carregando o fardo da tradição familiar em seu sobrenome, adaptou-se à forma que foi chamado. Não revela seu nome, pois o nome é a síntese da pessoa, e a síntese é tão parcial que esconde a magia do que é real.

A chuva que precedeu seu nascimento, como um sinal passou a persegui-lo, e todos os acontecimentos significantes de sua vida tiveram a tempestades como background. O primeiro dia na escola: molhado dos pés à cabeça; A formatura do jardim de infância: ensopado; O primeiro beijo...

Lembra- se pouco do ocorrido, apenas que chovia. E como chovia! Mas por um momento não se importou: Haviam sensações mais intensas tocando sua pele do que gotas geladas que caiam incessantemente.

Sentiu seus lábios úmidos, e não era o mau tempo que os deixara assim. O vento que soprara, encontrava os braços dela que lhe envolviam e protegiam.. Não sentia mais frio, nem calor, não sentia mais nada, apenas uma vontade insaciável de saber ao menos o nome daquela garota, que trazida pelo temporal foi-se com o vento que de tão afiado cortou o seu coração.

E naquele momento nada poder-se-ia dizer, apenas que se ambos soubessem seus respectivos nomes, seriam um detalhe, e não uma tão misteriosa quanto doce lembrança que marcaria todo o resto de sua vida também anônima.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Um homem simples III


Para ele era difícil desaparecer. Não como Houdini, ou Elvis Presley, mas sumir do imaginário popular. Não era uma figura cativante, muito menos algum tipo de celebridade. Mas um homem cheio de histórias.

Cada memória era narrada com tamanho entusiasmo, que, para alguns era descrito como mentiroso e para outros era uma espécie de profeta que dissertava sobre o mundo através de parábolas.

Falava sozinho enquanto caminhava, tal qual um filósofo peripatético, despertando a curiosidade daqueles que se deparavam com aquela cena um tanto quanto tétrica. Ao final de cada conto, a expressão em sua platéia era unanime. Todos aqueles que ouviram-o, não se esqueciam jamais. Suas historias eram retratos de uma realidade, que embora distorcida, era parte do que todos podiam ver, tocar e mesmo experimentar.
Mas, ser protagonista era diferente de ser ouvinte, o que diferenciava a realidade vivida daquilo que aquele homem misterioso contara, era a forma que as narrativas eram expressas. Ele fazia o comum se tornar especial, o monótono metamorfosear-se em deslumbre .

Um dia, calou-se. E a medida que sua voz sumiu, foi-se junto a sua alma.
Perguntavam-se como era possível ter vivido tanto, ou ter tamanha imaginação. Escritor, dramaturgo ou roteirista algum seria capaz de redigir um roteiro tão preciso e verossimilhante, e particularmente creio nunca poderão, pois não é possível parafrasear a vida.
O que tornava-o mágico, era que viva cada palavra dita com tamanha intensidade, que não desvencilhava o delírio do real.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Um homem simples II


Caminhou tanto, que seus sapatos fundiram-se ao asfalto. Eram passos duros, como quem carrega um peso impossível de se desvencilhar. Na face pousava-lhe uma expressão sandia e doentia, quando não assustadora. Deixo de ser homem e passou a ser bicho.

O vento balançava seus cabelos, e não só os cabelos, seus braços magros pareciam deslocados pela mais efêmera das brisas.

Um dia choveu, e a chuva lavou sua alma, lavou seus temores e angustias. Então morreu, e caído na estrada fundiu-se ao asfalto, como seus sapatos, como seus temores e angustias, como sua alma e as poucas e insignificantes coisas de que era feito.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Um homem simples


Era um homem simples, capaz de tangir o intangível, penetrar o impenetrável. Diante de toda adversidade, acendia seu cigarro e tragava calmamente, deixando que a natureza resolvesse.

Sua rotina era, como ele mesmo dizia, insignificantemente monótona. Nem mesmo seusamigos mais próximos podiam dizer ao certo o que ele fazia da vida.

Vivia a maior parte do tempo entre seus livros e discos. Falava pouco, mas o necessário, e com quem ele acreditava que merecia atenção - nunca desperdiçava ao menos uma vírgula diluída em sua respiração a toa-.

Fora da solidão de seu apartamento, estava sempre acompanhado, porém eram tais pessoas que o acompanhavam, ele não seguia ninguém. Era visto com um olhar profético, um homem misterioso, não sabe-se ao certo se era distante ou as pessoas que se tornavam distantes por uma forte veneração e respeito.

Num dia chuvoso -como odiava-, tentaram contacta-lo, porém em vão. Estava morto. Sob livros e discos, sepultado..

Não se sabe o que ocorrera, e tão pouco se quis saber.
Em seu enterro poucos rostos, ninguém conhecido. Todos se importaram, ninguém realmente. Passou a ser lembrado como parte de uma teogonia, já que sempre fora mais alma do que corpo.
Crê-se que vive sozinho, quem sabe no paraíso... sempre observando e desprezando sejam os anjos ou demônios que passaram a segui-lo.